Em uma matéria publicada na CNCB, por Stephane Kasriel, CEO da Upwork, com o título “The future of work won’t be about college degrees, it will be about job skills“. O artigo parte da pesquisa “Freelancing in America 2018” conduzida pela própria Upwork, onde a maioria dos entrevistados apontaram as habilidades (skills) como sendo mais importantes que um diploma universitário. A matéria constrói o argumento de que o avanço rápido da tecnologia, combinada com o aumento dos custos universitários, estão levando a universidade americana a um ponto de inflexão, em contrapartida, cursos focados em construção de novas habilidades estão em alta por serem mais rápidos e mais acessíveis. Ainda na linha argumentativa, a matéria critica a falsa sensação de segurança obtida por um diploma, ainda mais quando um relatório do Fórum Econômico Mundial de 2016, aponta que os cargos mais importantes da indústria hoje, não existiam há 10 anos. Para fechar a sua argumentação, Stephane cita a tendência das empresas americanas em deixar de considerar o diploma como requisito para contratação.

A construção argumentativa de Stephane Kasriel parece consistente, ainda mais se consideramos a opinião de Rebecca Leung no texto “In the Resume of the Future, Skills (Not Degrees) Will Be Paramount“. Rebecca inicia o texto citando a pesquisa da Deloitte “No college, no problem?“, que dentre outros aspectos, embasa a tendência de que para muitos recrutadores, as habilidades se tornaram mais importantes que os diplomas de nível superior. Sem aprofundar muito na analise destes textos, o estudo da Deloitte destaca um ponto que julgo importante: Está ficando difícil encontrar um profissional graduado que tenha todas as habilidades necessárias aos cargos ofertados pelas empresas. E o texto da Rebecca faz um apanhado semelhante ao texto do Stephane, com destaque no crescimento pela busca de cursos MOOCs (Massive Online Open Courses) como o Coursera.

Surgiram ainda algumas matérias antigas nas redes sociais sobre o tema, uma de 2017, “Habilidades, não diplomas, definem hoje os melhores talentos, diz CEO do LinkedIn” e outra de 2018, “Empresas brasileiras dispensam o diploma na hora de contratar“.

Em ambas matérias existe uma certa desinformação, se ler cuidadosamente irá perceber que não se está substituindo o diploma por habilidades, a graduação ainda é necessária, mas muitos dispensam sua comprovação, e focam em habilidades específicas do candidato.

Na matéria de 2017, o CEO do LinkedIn deixa isto claro:

“Cada vez mais eu ouço esse mantra: habilidades, não diplomas. Não são habilidades que dispensam diplomas. Trata-se apenas de expandir nossa perspectiva para ir além dos diplomas.” Ou seja, três palavras que podem fazer toda a diferença no processo de contratação: habilidades, não diplomas. E faz todo o sentido.

CEO do LinkedIn

Já na matéria de 2018 as empresas deixam claro que buscam a diversidade, e muitas vezes o candidato tem as habilidades necessárias, mas não tem formação na área ou instituição desejada, por esta razão priorizam as habilidades, mas seguem a mesma lógica do CEO do LinkedIn.

A CEO da IBM, Ginni Rometty em sua fala no Fórum Econômico Mundial em Davos no ano passado, disse ser importante que as empresas levem em consideração as habilidades dos candidatos em sua contratação. Rometty diz que as empresas estão cheias de PhDs e graduados, e deveriam abrir oportunidades para profissionais sem graduação, mas com as habilidades desejadas.

A fala da Ginni Rometty tem um claro tom inclusivo, a sua principal motivação para a análise das habilidades está justamente na perspectiva da inclusão social.

O que está errado com esta “tendência” ?

Em primeiro lugar não se pode analisar esta tendência por uma ótica binária, como sugere o título deste artigo. Pode-se observar pela análise das matérias acima, de que não se trata de uma simples escolha entre habilidades ou diploma.

A pesquisa publicada na CNBC se deu no contexto de profissionais freelancer, este é o horizonte de Stephane Kasriel, que é CEO de um portal de freelancer. Ainda sobre a pesquisa da CNBC, a realidade no Brasil é bem diferente da Americana, apesar de algumas universidades serem relativamente caras, a maioria das particulares possuem um valor acessível. Além disso, as melhores universidades Brasileiras são públicas, e gratuitas. Só este contexto por exemplo invalida boa parte do argumento construído por Stephane Kasriel.

Por outro lado, a necessidade de aprendizagem contínua, capacidade indispensável ao trabalhador do século XXI, é um argumento forte em favor do desenvolvimento constante de habilidades através de cursos rápidos, como defende Rebecca Leung.

Em tempos exponenciais, a velocidade com que novas profissões são criadas e eliminadas vem sendo assustadora e seguindo a tendência da exponencialidade, esta velocidade tende a aumentar. Não é nenhum exagero dizer que hoje a escolha da profissão também deve levar em consideração a sua existência após a formatura na universidade.

Aqui lembramos do que disse Ginni Rometty, se as empresas não abrirem para avaliar as habilidades, até mesmo em detrimento dos diplomas, podemos sofrer de carência de mão de obra qualificada.

A escolha das habilidades ao invés do diploma pode ser catastrófica

Catástrofe é a palavra mais adequada, apesar de forte não consigo imaginar melhor definição. A universidade trás além de novos conhecimentos, uma ou mais novas camadas de saberes, que permitem ao indivíduo aprofundar e assimilar novas abordagens.

Usando uma expressão popular do mercado, a universidade faz um upgrade no “mindset” do indivíduo. A universidade não é apenas uma “escola” de habilidades, mas principalmente de saberes, reflexões, pesquisa e auto aprendizagem. É na universidade que o indivíduo entra em contato com a metodologia e rigor científico.

Ao fazer uma pós graduação Lato Sensu como uma especialização ou um MBA, o indivíduo sofre novamente um “upgrade” no seu “mindset”, e adquire novos saberes, habilidades, reflexões e conhecimentos. Se for uma pós graduação Stricto Sensu como um mestrado ou dutorado, este “upgrade” no “mindset” é ainda mais intenso, principalmente na capacidade de reflexão, saberes, conhecimento e auto aprendizagem.

Priorizar as habilidades em relação ao diploma faz sentido para profissionais operacionais, onde as habilidades específicas são mais importantes que a capacidade de reflexão e a detenção de novos saberes, capazes de leva-lo a novos entendimentos. O paradoxo nesta leitura é que estes são justamente os profissionais que estão sendo substituídos pela automação da mão de obra. Qual o sentido de faze-los investir na aquisição de novas habilidades, se em breve se tornarão obsoletos?

Já profissionais de nível gerencial demandam um mindset mais elaborado, capazes, ao deter novos saberes, de refletir e avaliar contextos e cenários, sendo dotados de uma visão holística e estratégica, sendo possível abordar questões por diferentes perspectivas e em diferentes contextos. Geralmente estes profissionais demandam ao menos um diploma, e dependendo do nível, uma ou mais pós graduação.

Quando temos profissionais a nível gerencial, sem o mindset forjado pela universidade, salvo algumas excessões, quando se trata de gestão operacional de campo específico, o resultado pode ser desastroso.

Ao tentar imaginar um contexto onde as universidades fossem relegadas a um segundo plano, e o foco profissional fosse na aquisição massiva de habilidades, teríamos de lançar mão das pesquisas de Justin Kruger e David Dunning para constui-lo.

David Dunning e Justin Kruger publicaram em 1999, o estudo “Desqualificado e inconsciente disso: como as dificuldades em reconhecer a própria incompetência levam a autoavaliações exageradas“.

Efeito Dunning-Kruger

Segundo os pesquisadores, as pessoas tendem a ter visões excessivamente favoráveis de suas habilidades em muitos domínios sociais e intelectuais. Os autores sugerem que essa superestimação ocorre, em parte, porque as pessoas não qualificadas nesses domínios sofrem uma dupla distorção: elas não apenas chegam a conclusões errôneas e fazem escolhas infelizes, mas sua incompetência lhes rouba a capacidade metacognitiva de realizá-la. Ou seja, elas desconhecem a própria ignorância, este sujeito está no topo do gráfico acima (Eu sei tudo!).

O estudo descobriu que ao melhorar as competências metacognitivas dos participantes, ajudou-os a reconhecer as limitações de suas habilidades.

O estudo demonstrou que a partir deste ponto, o indivíduo ao buscar conhecimento confronta a própria ignorância, jogando sua autoconfiança no menor nível (Eu não sei nada!), e que vai retornando lentamente à medida que ele adquire conhecimento no campo específico.

Isto explica em parte porque aquele excelente profissional operacional se mostra um péssimo gestor. A falta das competências forjadas no mindset pelas universidades limitam suas competências metacognitivas, a falta de critério ou rigor científico costuma leva-los a tomar decisões monocromáticas com base em suas opiniões e visões limitadas.

Imagine a catástrofe de ter empresas geridas por profissionais com esta característica (Eu seu tudo!), rapidamente a levará a falência.

Afinal qual a resposta?

É obvio que a universidade precisará se reinventar, muitos cursos específicos deixarão de existir, e muitos cursos terão de adicionar em seus currículos disciplinas que reforcem nosso caráter humano, como a sociologia, filosofia e outras disciplinas que podem ampliar profundamente nossa percepção do mundo e de si mesmo.

Outras mudanças se tornam necessárias, no formato e duração dos cursos, deixando para a pós-graduação e cursos livres, as disciplinas mais específicas.

Habilidades serão cada vez mais necessárias no campo profissional, e devem ser adquiridas principalmente por profissionais operacionais, mas não exclusivamente, muitas novas habilidades serão necessárias aos profissionais gestores. Em 1991, eu já havia imaginado uma empresa focada nas habilidades.

Não pense que o futuro do trabalho será algo distante, ele já está acontecendo, e até mesmo no curtíssimo prazo, no pós pandemia, o mundo já será muito diferente, a transformação está acontecendo agora. Não perca tempo, se não tem uma graduação, faça uma, e adquira novas habilidades para sobreviver ao mundo VUCA, a começar pela aprendizagem contínua.

No final das contas vale o diploma e as habilidades, não abra mão de sua graduação para investir somente na aquisição de novas habilidades. A aprendizagem contínua significa que estaremos sempre aprendendo novas habilidades e reciclando as antigas.

Este será o nosso futuro…


João Carlos Rebello Caribé

Consultor em otimização empresarial, com foco em inovação estratégica, gestão do conhecimento, gestão de projetos e processos, e micropolítica corporativa. Professor em MBA em disciplinas das áreas de gestão Empresarial, Marketing, Logística e Recursos Humanos. Mestre em Ciência da Informação pela UFRJ (PPGCI) com o tema “Algoritmização das relações sociais, criação de crenças e construção da realidade”. Empreendedor desde o início de sua carreira, foi sócio em quatro empresas desde então. Com a chegada da Internet no Brasil no final dos anos 90, desenvolveu uma empresa revolucionária, a Flash Brasil, tornando-se referência com um modelo de negócios inovador envolvendo comunidades virtuais com milhares de profissionais. Foi conselheiro para o primeiro Conselho de Coordenação da NETmundial Initiative, junto com profissionais como Jack Ma (Alibaba), Christoph Steck (Telefonica), Penny Pritzker (Departamento de Estado Americano), James Poisant (WITSA), Lu Wei (Ministro do Ciberespaço Chinês), Jean-Jacques Subrenat (EURALO), dentre outros. Também foi membro do Comitê Executivo da NCUC na ICANN, representando a sociedade civil da América Latina e Caribe. Participa da Internet Society Brasil, Coalizão Direitos na Rede, Red Latam, Comunidade Diplo, Dynamic Coalition on Network Neutrality e Global Net Neutrality Coalition, Laboratório em Rede de Humanidades Digitais (LarHud) e Estudos Críticos em Informação, Tecnologia e Organização Social (Escritos).

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