Que carreira eu escolho? 

No final de 2018, eu apresentei no II Simpósio Internacional Network Science, um artigo chamado “Vigilância cega, o que as pegadas digitais podem revelar sobre o indivíduo“, o tema era parte da minha pesquisa de mestrado, e apesar da aura futurista, o tema era bem atual focado no aqui e agora.

Depois, fui abordado por algumas pessoas, e quando fui embora, dois participantes foram comigo até o metrô, um era estudante de Comunicação da ECO/UFRJ, e o outro bem mais jovem foi centro do debate. Quando perguntamos o que ele estudava, ele falou:

-Vou fazer ENEM este ano ainda e não sei que carreira escolher.

Depois da grata surpresa de ver seu interesse prematuro em temas como os apresentados no seminário, iniciou-se uma interessante conversa. Dentre todas as sugestões que fizemos, uma que julgo pertinente aqui, foi esta:

A sua geração tem mais uma variável nesta equação da escolha de carreira, agora você precisa também considerar a possibilidade da carreira não existir quando da sua formatura.

Para contornar isso eu sugiro evitar escolher cursos muito específicos, escolha os mais genéricos. Por exemplo física é um curso mais genérico em relação à engenharia, que por sua vez, é mais genérico que engenharia de produção, entendeu? Digo isso, porque depois de formado você vai ter de estar permanentemente estudando, e poderá desenvolver as competências necessárias à sua profissão, e você pode fazer isto em uma pós-graduação, MBA ou em cursos livres.

Agora você precisa também considerar a possibilidade da carreira não existir quando da sua formatura.

Educação 4.0

Provavelmente as universidades irão se adaptar a esta tendência, reduzindo a gama de cursos de graduação aos cursos mais genéricos, e adicionando a opção de disciplinas eletivas para perfazerem os antigos cursos específicos. Ou poderão criar especializações de curtíssima duração focados em conjuntos de habilidade (skills) requisitados pelo mercado.

Alias esta questão de universidade x habilidades é um tema amplo que abordarei em outro post.

Esta relação universidade x mercado seguramente ficará mais dinâmica, e a burocracia pertinente deverá se adaptar para dar este suporte. Também poderão surgir especializações para profissionais seniores, com foco no conceito de aprendizagem contínua.

Ainda com este foco, não só as universidades, como as escolas deverão se adaptar, para dentre outras novas competências, ensinar a prática da autoaprendizagem, pensamento crítico e novas formas de pensar, como os pensamentos lateral, sistêmico e exponencial.

É o que sugere o estudo da USP que aponta que as carreiras do futuro irão exigir uma postura mais flexível do profissional.

Segundo o estudo, essas novas carreiras vão exigir do profissional maior flexibilidade para migrar para outras áreas, disposição para viver novas experiências e capacidade de construir redes de contato.

O estudo sugere que além das competências fundamentais da disciplina universitária, o aprendizado de competências se tornará fundamental para a manutenção da carreira no futuro.

O mundo agora é volátil, incerto, complexo e ambíguo

Já escrevi que o futuro do trabalho já está acontecendo, não será um evento distante, que afetará somente a próxima geração. Já foi assim no passado, quando os ciclos tecnológicos ainda eram longos, agora está tudo muito acelerado, e continua acelerando, é tudo exponencial. No texto descrevo que se você fizer uma análise detalhada do que mudou nos últimos cinco ou dez anos, em termos de tecnologia e estilo de vida, e projetar para frente usando uma variável que considere os encurtamentos dos ciclos tecnológicos (pensamento exponencial), vai perceber que em cinco ou dez anos o mundo poderá ser muito diferente de hoje, assim como perceberá que não haverá uma grande disrupção. Você não vai acordar e perceber que seu emprego acabou, e observar o caos nas ruas a partir de sua janela, isto acontece nos filme de ficção, não na vida real.

A pandemia de coronavírus tem o poder de mudar esta lógica, estamos vivendo um evento disruptivo, que acelerou o processo de mudança exponencial, temos de estar atentos a diversos cenários e tendências para vislumbrar para onde o mundo caminha.

A única certeza que temos em relação ao futuro, é que não temos certeza de nada, a incerteza é uma característica dos tempos atuais.

A incerteza é uma das características do modelo VUCA (VICA), que é um acrônimo, usado pela primeira vez em 1987, com base nas teorias de liderança de Warren Bennis e Burt Nanus, para descrever ou refletir sobre a Volatilidade, a Incerteza (Uncertainty), a Complexidade e a Ambiguidade de condições e situações gerais.

A incerteza é paralisante, lidar com ela não é tarefa simples, e estamos vendo a sociedade reagindo a isto, ao se tornar mais conservadora, e buscando freneticamente a figura do mentor, seja ele, um influenciador, um líder religioso ou carismático, coach, ou um super herói. 

A única certeza que temos em relação ao futuro, é que não temos certeza de nada, a incerteza é uma característica dos tempos atuais. Talvez explique o crescimento das doenças psicossomáticas como stress, ansiedade e depressão.

O ser humano além de gregário, precisa de um propósito para viver, e em um mundo VUCA, provavelmente o propósito passará a ser construído na vida pessoal do indivíduo, relegando à vida profissional a mera missão de subsistência. Este comportamento pode se tornar uma força relevante na transformação do capitalismo como conhecemos hoje. Este comportamento por outro lado é bom, muito bom para nós, pois uma das característica que nos distingue da automação da mão de obra, é a nossa humanidade, e nada mais humano do que termos propósitos pessoais e sociais.

Independência estrutural

Algumas certezas existem, as empresas da economia de aplicativos como Uber, Rappi, e outras, e do capitalismo de dados como o Google e Facebook, estão eliminando o ser humano de várias etapas no seu processo de criação de renda, substituindo-os por Inteligência Artificial.

Shoshana Zuboff (2015) trata esta mudança como “Independência Estrutural”. Diferente da necessidade de balancear a renda da população com os preços dos bens produzidos, para mover a “roda da economia”, do capitalismo do século XX, o capitalismo de vigilância rompe com esta premissa, criando uma independência estrutural, onde a população deixa de ser necessária como fonte de clientes e empregados. A independência estrutural significa que a empresa, no capitalismo de vigilância, necessita apenas dos dados do indivíduo, com os quais constrói perfis que se tornarão seus ativos. A hiperescala através de crescente automação, e tecnologias escaláveis em nuvens, permite que estas empresas operem com efetivos cada vez menores, tendo os algoritmos como “meio de produção”. Esta independência estrutural das empresas em relação à população é uma questão de excepcional importância à luz da relação histórica entre capitalismo de mercado e democracia (CARIBÉ, 2019, p.6).

Recentemente apresentei a questão seguir para meus alunos de “Desenvolvimento e Inovação no MBA:

Alguns ficaram surpresos quando expliquei:

Todas estas empresas são operadas por algoritmos (inteligência artificial), quando você solicita um Uber, ou pede uma comida ou pesquisa uma rota, uma inteligência artificial faz a mediação. No Uber ou 99, é uma inteligência artificial que escolhe o motorista que irá fazer a corrida, e cuida de todo processo, o mesmo se dá quando solicita uma comida no iFood, Rappi ou Uber Eats. Quando abre o Waze e pede uma rota, também é uma inteligência artificial quem determina a melhor rota. Desta forma, estas empresas possuem alta escalabilidade, isto significa que, se de uma hora para outra surgirem dezenas de milhares de motoristas ou entregadores, nenhuma contratação será necessária para atender ao aumento de demanda.

Isto é um exemplo prático do que a Shoshana Zuboff chama de independência estrutural e hiperescala sucessivamente.

As entregas por aplicativo aumentaram 30% durante a pandemia, mas não necessariamente representando um aumento na renda dos entregadores. A automação de postos de trabalho e processos também representa uma tendência forte nesta pandemia. Não são são somente as empresas que precisam estar atentas aos cenários e tendências, mas principalmente os profissionais, que devem aproveitar o período de isolamento para reclicarem-se, aprendendo novas habilidades, já se adaptando a aprendizagem contínua e realinhado seus propósitos.

Não retornaremos ao normal de antes da pandemia, é ilusório imaginar que uma vez cessada, tudo será como antes. Não será, a pandemia não acabou, e como se pode observar, ela vem por ondas, e segundo Ignácio Ramonet a pandemia econômica será de uma brutalidade desconhecida, ele chama a pandemia de um evento social total, expressão que os sociólogos usam para denominar eventos que afetam todas as camadas da sociedade.

A pandemia acelerou alguns processos de automação, e o FMI aponta quais empregos mais ameaçados por esse processo. Nem mesmo os escritórios serão os mesmos, há uma forte tendência em manter um sistema híbrido e o home office veio para ficar. Isso pode mudar significativamente a estrutura urbana, e dissolução dos grandes centros.

Ha muita gente apostando inclusive na mudança do modelo econômico, os Holandeses estão propondo um novo modelo baseado no decrescimento. A proposta dos holandeses prevê deslocar a perspectiva para além do PIB, focando na distribuição de renda, agricultura regenerativa, investimento em modelos energéticos renováveis, e total cancelamento dos modelos poluentes, assim como cancelamento das dividas de pequenos empresários e nações do Sul Global. O projeto holandês passa pela redução significativa do consumo, incluindo viagens. A conceituada economista Maria Mazzucato também propõe um modelo semelhante. A idéia de mudança também é apoiada pelo Prêmio Nobel da Paz de 2006, Muhammad Yunus o banqueiro dos pobres.

A única certeza de que temos é do futuro, o melhor a se fazer agora é manter-se bem informado, abrir a mente para uma diversidade de opiniões, não as julgue, nem deixe seus vieses lhe atrapalhar, para que não afete a construção de cenários possíveis. Aprenda uma coisa nova, fora do seu contexto habitual e se informe de fontes diferentes todos os dias.

Estamos diante do maior quebra cabeça de todos os tempos, ganha quem achar a última peça.


João Carlos Rebello Caribé

Consultor em otimização empresarial, com foco em inovação estratégica, gestão do conhecimento, gestão de projetos e processos, e micropolítica corporativa. Professor em MBA em disciplinas das áreas de gestão Empresarial, Marketing, Logística e Recursos Humanos. Mestre em Ciência da Informação pela UFRJ (PPGCI) com o tema “Algoritmização das relações sociais, criação de crenças e construção da realidade”. Empreendedor desde o início de sua carreira, foi sócio em quatro empresas desde então. Com a chegada da Internet no Brasil no final dos anos 90, desenvolveu uma empresa revolucionária, a Flash Brasil, tornando-se referência com um modelo de negócios inovador envolvendo comunidades virtuais com milhares de profissionais. Foi conselheiro para o primeiro Conselho de Coordenação da NETmundial Initiative, junto com profissionais como Jack Ma (Alibaba), Christoph Steck (Telefonica), Penny Pritzker (Departamento de Estado Americano), James Poisant (WITSA), Lu Wei (Ministro do Ciberespaço Chinês), Jean-Jacques Subrenat (EURALO), dentre outros. Também foi membro do Comitê Executivo da NCUC na ICANN, representando a sociedade civil da América Latina e Caribe. Participa da Internet Society Brasil, Coalizão Direitos na Rede, Red Latam, Comunidade Diplo, Dynamic Coalition on Network Neutrality e Global Net Neutrality Coalition, Laboratório em Rede de Humanidades Digitais (LarHud) e Estudos Críticos em Informação, Tecnologia e Organização Social (Escritos).

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